• “Temos razões mais do que suficientes para nos sentirmos bastante orgulhosos da nossa Independência”


    Senhor Presidente, eu sinto que quer continuar a tentar esclarecer esta questão do pacote legislativo eleitoral e falou de duas leis, uma de que é proponente o Executivo e a outra de que é proponente a Oposição. Nestas duas leis, até onde é que elas se encaixam para benefício do próprio sistema democrático em Angola?

    Vamos deixar que os deputados, em sede da Assembleia Nacional, tratem do assunto e vamos aguardar que saia de lá uma lei, não importa se o proponente for Executivo ou se o proponente for a Oposição. Eu não faço questão de dizer que a que tem que ser aprovada é a que vem do Executivo e não a outra. Não tenho a veleidade de chegar a esse ponto.
    Nós pretendemos é que essas leis sejam mexidas e que os deputados da Assembleia Nacional exerçam a sua função de legisladores e daí saia uma lei melhorada que, em vez de complicar, torne mais simples, mais transparente, todo o processo de organização das nossas eleições.

    Senhor Presidente, este pacote eleitoral, na sua opinião, ainda demora mais algum tempo para ficar concluído?

    Demora sempre algum tempo, mas esse tempo não é eterno. É um tempo que se pode considerar aceitável. Haverá consulta popular, a sociedade civil vai poder pronunciar-se, mas, em última instância, quem vai discutir e aprovar será a Assembleia Nacional.

    Senhor Presidente, vamos agora olhar para os 50 anos da Independência de Angola. Sabemos que o Executivo está a preparar um conjunto de iniciativas para assinalar estes 50 anos de Independência. Que acções estruturantes o Senhor Presidente destacaria como legado duradouro, precisamente para esta data, para os 50 anos da nossa Independência?

    O facto de o país ter conseguido manter a Independência, manter a soberania sobre o território, não obstante ter sido alvo de duas invasões externas, ter sido alvo de uma guerra, - queria evitar essa expressão, encontrar algo similar, mas é inevitável - um conflito que durou quase três décadas, foram exactamente 27 anos…Não obstante isso, as filhas e os filhos de Angola souberam preservar esses dois bens fundamentais: a Independência e a soberania, à partida. Mas não só souberam preservar isso, como souberam pôr fim à guerra, souberam construir a paz e a reconciliação entre os angolanos - algo que é permanente, é para se construir todos os dias. Não tem fim. É para construir-se sempre. E graças a esse pano de fundo, chamemos-lhe “político”, nós temos conseguido reconstruir o nosso país, reconstruir as principais infra-estruturas e melhorar a nossa economia, diversificar a economia, tornar-nos cada vez menos dependentes do petróleo. Este ano mesmo, o país está com uma taxa de crescimento aceitável de 3,5 por cento ao ano. Se considerarmos a economia não-petrolífera, estamos com uma taxa de crescimento maior, de 4,5 por cento, uma taxa de inflação de 22 por cento - que se possível vamos procurar reduzir -, a de desemprego em 29 por cento, o rácio da dívida em relação ao Produto Interno Bruto está muito abaixo dos 100 por cento (está em 63 por cento). Já estivemos acima dos 100 por cento, anos atrás. Neste momento, está em 63 por cento. Penso que temos razões mais do que suficientes para, neste ano em que fazemos 50 anos de Independência, nos sentirmos bastante orgulhosos da nossa Independência.

    Senhor Presidente, que abordagem está a ser adoptada para garantir que estas comemorações, dos 50 anos da nossa Independência, sejam vividas de forma a que todos os angolanos se sintam pertences desses 50 anos da nossa Independência?

    Nós temos uma comissão organizadora que gizou um programa de comemorações, programa esse que não exclui ninguém. Em princípio, todos são convocados, são chamados, são convidados, como quiserem, a serem não meros espectadores, mas partícipes desta celebração, da mesma forma que foram partícipes da história dos 50 anos, também serem partícipes das comemorações dos mesmos 50 anos. Portanto, se alguém se quiser auto-excluir, não pode apontar o dedo a ninguém e dizer que se esqueceram de mim. Aliás, os próprios actos de condecorações que estão a ter lugar demonstram bem isso, que nós não estamos a nos esquecer de ninguém. Estamos a homenagear cidadãos de várias franjas da nossa sociedade, de diferentes estratos sociais, de praticamente todas as profissões, credos religiosos, forças políticas. Não estamos a discriminar ninguém. O importante para nós é ser angolano e ter tido alguma forma de contribuição na construção deste edifício que se chama Angola Independente, que nasceu em Novembro de 1975.

    Senhor Presidente, acredita que - e voltamos às condecorações - estas condecorações que estão a acontecer este ano podem servir de inspiração para as novas gerações de angolanos, incentivando-os a seguir o exemplo destes angolanos que, nas diversas áreas da vida do nosso país, deram o seu contributo e que, passados 50 anos, estão hoje a ser condecorados? A questão é: como é que os jovens devem olhar para isso?

    Os jovens devem olhar para isso como um exemplo a seguir, um exemplo daquilo que foi feito pelos seus avôs, os seus pais, os seus maiores de idade, os seus mais velhos. Muitos deles não esperavam, mas acabaram por ser reconhecidos. É a prova de que a Nação sempre reconhece os feitos dos seus filhos. Nós que organizamos esses actos de comemorações talvez não tivéssemos bem a ideia do valor que isso tem, que uma simples medalha, (simples entre aspas), no peito de um cidadão representa. Mas o feedback que estamos a receber é que eles próprios, os beneficiários, as respectivas famílias, dão uma importância absolutamente grande a esse gesto de entrega de uma medalha, a tal ponto que constatamos que aqueles que ainda não receberam, e que muitos deles vão receber, já começam a se inquietar: “então, e eu? Não vou receber, não vou receber?” (risos)

    O Senhor Presidente diz que os que estão inquietos poderão, certamente, fazer parte das próximas condecorações?

    Sim, alguns dos que estão inquietos! Porque, como é óbvio, o número de medalhas é limitado. Nós estabelecemos pouco mais de duas mil medalhas. Em princípio, serão esses que vão representar o grosso da Nação angolana. Os militares não podem ser todos condecorados, os contemplados serão em nome dos militares; os académicos, idem; os religiosos, idem; enfim, todas as categorias daqueles que já beneficiaram ou virão a beneficiar.

    O Senhor Presidente já fez, certamente, uma abordagem aqui sobre aquilo que foram as maiores conquistas destes 50 anos da nossa Independência, e uma delas foi, precisamente, a preservação da nossa Independência, apesar destes conflitos internos que tiveram ramificações externas também. A questão que Lhe coloco agora, voltando às conquistas da nossa Independência, quais Lhe parecem ser, hoje, os maiores desafios que devem ser vencidos?

    O trabalho não está concluído, a nossa geração e as gerações futuras vão continuar a trabalhar no sentido, não diria de concluir o trabalho, mas de procurar aproximar-se ao máximo a um estágio que possa vir a ser considerado ideal.
    Os grandes desafios continuam a ser a construção de mais infra-estruturas, mais escolas, mais hospitais, mais estradas, mais caminhos-de-ferro, maior e melhor oferta de saúde para a nossa população, maior e melhor oferta de educação de qualidade para a nossa população, maior oferta de bens alimentares e de outros produtos da cesta básica e bens de primeira necessidade. Tudo isso é um trabalho que deve ser contínuo, não apenas do Governo, mas da sociedade angolana. Toda a sociedade angolana é chamada a contribuir para nós podermos atingir aquilo a que podemos considerar como suficiente para a satisfação das necessidades fundamentais das nossas populações. A taxa de crescimento da nossa população é grande, o que significa que, por muito que façamos em termos de construção de hospitais, faltarão sempre. Por muito que façamos em termos de construção de escolas, de todos os níveis, sobretudo do nível básico, do nível primário, por muito que façamos, faltarão sempre mais. Então, o grande desafio é esse: é corrermos atrás da procura, para ver se conseguimos permanentemente satisfazer minimamente à procura, porque essa procura é permanente. Estamos permanentemente debaixo desta pressão da procura. Portanto, a necessidade de escolas será cada vez maior, de hospitais, de estradas, de emprego, será cada vez maior, e temos todos que trabalhar para satisfazer essas necessidades; o Estado, o Governo, e não só, como o próprio sector empresarial, que tem um papel importante a jogar. São bem-vindas as iniciativas do sector privado para oferecer educação à nossa população, para oferecer habitação, para oferecer saúde à nossa população. Temos que juntar esforços, porque, evidentemente, não há Governo nenhum que sozinho possa suportar esta grande empreitada da resolução dos problemas da população.

    Senhor Presidente, quando chegou ao poder, e diz-se muito que uma das suas maiores bandeiras foi a luta contra a corrupção. Vamos falar um bocado sobre essa questão e também sobre a recuperação de activos. Que balanço faz da recuperação de activos e que impacto real considera que este processo já teve no nosso país?

    O balanço que faço é positivo, no sentido de que temos conseguido realmente recuperar activos, físicos e financeiros. Se me perguntar “é tudo?”, obviamente que a resposta é “não, não é tudo!”Ou seja, há muito mais por se recuperar. Há muito activo identificado como ilícito, ganho de forma ilícita, e que deve ser revertido a favor do Estado. Mas isso não se faz num dia. No curto espaço de tempo em que estamos envolvidos e empenhados nesta luta, acreditamos que fizemos aquilo que foi possível. A justiça bem ou mal tem estado à altura deste combate, mas, infelizmente, em termos de recuperação de activos que estão no exterior, sobretudo em relação a esses, nem sempre temos sido bem-sucedidos, porque, paradoxalmente, os mesmos que nos encorajam a lutar contra a corrupção, quando os nossos tribunais julgam e condenam alguém e determinam que os bens desse alguém, quer estejam dentro do país, quer estejam fora, devem reverter a favor do Estado - e essa determinação é feita pela sentença em julgado, muitas vezes com recurso do Tribunal Constitucional e o recurso confirmado pelo Tribunal Constitucional -, essas entidades acabam por arranjar subterfúgios para nos devolverem esses activos que pertencem ao povo angolano. Nós estamos neste momento a enfrentar uma situação muito concreta, de um caso de avultadas somas recuperadas de um cidadão angolano, por via de sentença de um tribunal angolano, e que o país europeu onde esses activos estão domiciliados, julga-se no direito de realizar também, digamos, uma espécie de julgamento lá, para confirmar ou não confirmar a sentença do nosso tribunal. Isso é inaceitável, inadmissível! Não se pode pôr em causa a idoneidade das sentenças dos nossos tribunais. Os nossos tribunais não são instituições políticas, são tribunais, e como tal, as sentenças dos tribunais são simplesmente para serem cumpridas.

    Senhor Presidente, hoje quando se olha precisamente para essa questão da recuperação de activos, a questão que se coloca é: recuperados esses activos, de que forma é que depois são aplicados na melhoria da condição de vida das pessoas, na atracção de novos investimentos e até mesmo na imagem externa que o país tem hoje?

    Se forem recursos financeiros, eles entram para a Conta Única do Tesouro e acabam por se diluir ali nos dinheiros existentes da Conta Única do Tesouro. As regras de gestão financeira assim obrigam. O Estado não pode ter contas múltiplas, por isso é que lhe chamam Conta Única do Tesouro. Mas, embora o saco seja esse - o saco entre aspas -, nós podemos determinar para que fim é que esses recursos serão utilizados. Estamos recordados que os cerca de dois mil milhões de dólares recuperados de um banco britânico - recursos do Fundo Soberano -, nós tomámos a decisão de uma boa parte desses recursos serem utilizados para alimentar um programa que chamamos Plano Integrado de Intervenção nos Municípios (PIIM). Isso está aí, é uma das utilidades, é algo que é visível. Nós tínhamos antes tudo muito centralizado e esse PIIM teve a característica de ter dado às administrações municipais autoridade para serem elas a definir as infra-estruturas a construir e, portanto, gerir esse mesmo dinheiro que lhes foi alocado. Por força disso, os municípios conheceram outra vida, grande parte dos municípios do país, salvo algumas excepções, conheceram uma alteração significativa em termos de maior oferta de escolas do ensino de base, sistemas de abastecimento de água, melhoria dos arruamentos, das vilas, capitais de municípios, pelo menos. Foi feita muita coisa que está aí, que é visível, pode ser fiscalizada. É verdade que temos alguns casos de municípios que, com os mesmos recursos que os outros receberam, não fizeram quase nada. Nós sabemos quais são. Felizmente, o número desses não é grande. Algumas das autoridades dessas províncias e municípios foram sancionadas ou pelo menos removidas dos seus cargos por esta razão. Portanto, esta uma das formas como nós usámos os recursos recuperados.
    O actual Hotel Intercontinental é resultante da recuperação de activos. Está aí o hotel! O edifício onde funciona a direcção do Ministério de Recursos Minerais, Petróleo e Gás é outro caso de recuperação de activos. Neste momento, está em curso a conclusão das obras de um edifício também recuperado, aqui na Marginal de Luanda e que será o futuro Hotel Sheraton.

    Ali ao lado do Baleizão?

    Sim, sim! Portanto, será o futuro Hotel Sheraton. Eu creio que o país só ganha com isso.

    Senhor Presidente, sente que hoje existe um olhar diferente, quando fala do Intercontinental, quando fala do Sheraton. Estamos só a olhar para uma questão que tem a ver com a rede hoteleira. Sente que os investidores estrangeiros olham para Angola de forma diferente?

    Eu sinto que sim, eu sinto que sim. E os factos estão aí para demonstrar isso. O Corredor do Lobito é um desses casos. O Caminho-de-Ferro de Benguela sempre existiu. A partir do momento em que tomámos a decisão de abrir o concurso público para a concessão da linha e tomado a decisão de ligá-la ao Caminho-de-Ferro da Tanzânia para ligar os dois portos - na parte ocidental do continente, o Porto do Lobito; na parte oriental do continente, o Porto de Dar Es Salaam - vemos o interesse que isso despertou, sobretudo no mundo ocidental, na Europa, nos Estados Unidos da América, e que vem dando passos muito concretos para que este sonho adormecido se torne realidade tão cedo quanto possível.
    Este mês mesmo, vamos realizar em Roma um encontro com a Presidente do Conselho de Ministros italiano, a senhora Giorgia Meloni, e a Presidente da Comissão da União Europeia, a senhora Ursula Von Der Leyen, para que, no quadro do chamado Plano Mattei, se mobilizem recursos para este projecto do Corredor do Lobito.

    Senhor Presidente, desde Fevereiro que assume também, Pro Tempore, a União Africana. Para si, quais são os grandes desafios e as grandes prioridades de Angola. Refiro-me a Angola, enquanto líder da União Africana, particularmente neste contexto em que existem múltiplos desafios no continente?

    O continente tem, sobretudo, a meu ver, três grandes desafios. Por ordem de prioridade, eu diria que o principal desafio tem a ver com a paz e segurança. Há necessidade de pôrmos fim aos múltiplos conflitos armados que o continente conhece, e que, lamentavelmente, em vez de terem uma tendência a reduzir, antes pelo contrário, têm uma tendência a agravar-se. Há uns anos, quando falávamos de paz e segurança, estávamos preocupados apenas com a situação na região do Sahel, com a queda do regime de Gaddafi. A Líbia tornou-se num mercado aberto de venda de armas e facilitador do surgimento de movimentos terroristas que acabaram por afectar parte daquela região do Sahel, começando pela Nigéria, com o Boko Haram, mas rapidamente se estendeu para os Camarões, para o Tchad, para o Niger, para o Mali, para o Burkina Faso. Eu repito, há uns anos, nós estávamos preocupados sobretudo com essa região. Mas rapidamente as nossas preocupações se viraram para outras: para a África Central, por exemplo, para a região dos Grandes Lagos. Estou a referir-me à situação do Leste da República Democrática do Congo, Sudão, Sudão do Sul, no Nordeste de Moçambique, na província de Cabo Delgado, e na Somália. Portanto, são muitos os conflitos e guerras prevalecentes no nosso continente e, como Presidente Pro Tempore da União Africana, sem sombra de dúvidas que a principal das preocupações tem a ver com paz e segurança, porque sem paz e segurança não se pode falar de desenvolvimento, não se pode falar de economia. Chegados aqui, a segunda preocupação nossa prende-se com a necessidade de desenvolvimento do nosso continente. Mas o desenvolvimento, em princípio, vem sempre ligado a infra-estruturas. Nós temos o exemplo de Angola. Tão logo terminou a guerra, a principal preocupação foi conseguir financiamento para a recuperação ou a reconstrução nacional - reconstrução no sentido de recuperar ou construir de raiz - infra-estruturas. À dimensão do continente, é uma questão de extrapolar o que se passou em Angola. O continente carece de infra-estruturas de todo o tipo: estradas, autoestradas, caminhos-de-ferro, portos, infra-estruturas de telecomunicações, infra-estruturas de energia e de água, mas particularmente de energia. O nosso continente é essencialmente agrícola, não apenas porque é da nossa tradição, dos nossos ancestrais, não apenas por isso. A nossa intenção, o nosso desejo, é ultrapassarmos esse estágio e tornarmos-nos num continente industrializado, a exemplo do que é hoje a Europa, é hoje a Ásia e começa a ser a América Latina. A África tem, também, a ambição de se tornar num continente industrializado. Mas para haver industrialização tem de haver energia e energia suficiente. É uma aberração que o continente tem rios de grande caudal e queda suficiente para a construção de aproveitamentos hidroeléctricos para a produção de energia, mas se alguém sobrevoar o continente à noite e lá de cima olhar cá para baixo, só vê escuridão. Ou seja, para a dimensão do continente, o que está iluminado é ínfimo. Precisamos de investir fortemente na produção, transportação e distribuição de energia eléctrica, se queremos ver o desenvolvimento do nosso país, do nosso continente, se queremos ver um continente que, em vez de se limitar a exportar em bruto as suas matérias primas, possa transformá-las aqui, localmente. Para haver essa transformação tem que ter energia.

    Senhor Presidente, concorda com a frase de que passados todos esses anos é inconcebível que os africanos ainda tenham que resolver os seus problemas olhando para outros continentes? E refiro-me à questão da paz e segurança. E vimos aqui esforços internos para a resolução de conflitos internos. E não é preciso ir muito longe, a questão do Leste da República Democrática do Congo. Não existe uma forma de nós, os africanos, resolvermos os nossos problemas à base africana sem recorrermos ao exterior?

    É óbvio que tudo depende de nós. Tudo depende da nossa vontade. Quando nós recorremos ao exterior em detrimento das soluções do continente, estamos, no fundo, nós próprios a passar um certificado de incapacidade à nossa própria organização continental.
    No fundo, nós próprios é que estamos a dizer que a União Africana não tem valor absolutamente nenhum. Então, recorremos a outras soluções aparentemente milagrosas que nos possam vir resolver os problemas. Só que a prática, muitas vezes, cria decepções às pessoas e países que assim pensam. No caso concreto da RDC, que buscou por outras paragens, foi-se parar à Doha, foi-se parar a Washington DC. Bom, até aqui não vemos nenhuma evolução.
    Vamos a factos: o país continua dividido, temos de ser realistas. O governo central de Kinshasa não controla duas importantes províncias: o Kivu Norte e o Kivu Sul. Ali há outras autoridades fora do controlo da capital, de Kinshasa. A situação da pilhagem de recursos do país não alterou para melhor, continua. Então, a responsabilidade disso só pode recair sobre quem tomou a decisão de fugir da solução africana.

    Senhor Presidente, vamos olhar um pouco para a nova ordem económica mundial. Diante da polarização entre potências, como acha que Angola deve posicionar-se para aproveitar as oportunidades que o mundo hoje apresenta, sem depender de um bloco?

    PR – O mundo estava dividido verdadeiramente em dois blocos no tempo da Guerra Fria. Felizmente, esse tempo passou. Estamos numa situação em que a Guerra Fria pertence ao passado. Mas, se ela voltasse, eu consideraria que seria um erro tirar partido apenas de um dos blocos. Isso para dizer que, nas relações entre Estados, os países devem procurar defender interesses.
    Já não estamos na era das ideologias, estamos na era de defesa do desenvolvimento a favor dos nossos povos. Então, temos que ter a liberdade de olhar para o mundo e irmos buscar aquilo que tem de melhor em cada país. Esta é que deve ser a nossa postura. Já não estamos na época da Guerra Fria, mas estamos a viver um momento em que a ordem mundial, estabelecida imediatamente após a Segunda Guerra Mundial, vem conhecendo alterações. Não sei se para melhor, talvez não, uma vez que o que é fundamental ainda não está feito, que é a reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas, da governação das principais instituições financeiras mundiais, nomeadamente do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional, da Organização Mundial do Comércio. Isso não está feito. Existe esse esforço, sobretudo da parte dos países do hoje chamado Sul Global, para que a justiça seja feita e que os vencedores da Segunda Guerra Mundial não continuem, 80 anos depois, a se considerar os únicos que podem liderar quer a política quer a economia mundial.
    De lá para cá, muitos países que eram colonizados deixaram de o ser. Alguns deles, nesse período de 80 anos, atingiram níveis de desenvolvimento superiores aos dos ex-colonizadores, mas, mesmo assim, os ex-colonizadores arrogam-se ao direito de pensar que são os únicos “donos” e “senhores” do mundo.
    A situação que se está a viver hoje, quer na Europa quer no Médio Oriente - estou a referir-me à situação de segurança - é um bocado reflexo disso, em que são apenas os actuais cinco membros permanentes do Conselho de Segurança que têm voz na matéria. Vimos há dias uma resolução ser vetada nas Nações Unidas, que tinha como objectivo aliviar o sofrimento do povo palestiniano. Portanto, para responder à pergunta, é isso.

    Perante o actual quadro, Senhor Presidente, acredita que estamos mais próximos de um cenário de Guerra Fria que já tivemos no passado?

    Agora estamos na guerra quente (risos). No tempo da guerra fria ameaçavam-se. Hoje, ninguém ameaça. Hoje, faz-se a guerra. E é o que está sendo feito, lamentavelmente.

    Senhor Presidente, vamos voltar ao nosso país. Nós estamos praticamente no fim desta entrevista, mas eu não gostaria de terminar sem questioná-lo sobre uma frase que hoje se fala muito: “O povo é o meu patrão”. O que o Senhor queria dizer com isso?

    O que eu queria dizer é que, efectivamente, é o povo a quem eu tenho que prestar contas e que, quando o povo me colocou nesta cadeira, primeiro em 2017, depois em 2022, no fundo a missão que me deu é: “estamos a dizer para tudo fazer para a resolução dos nossos problemas”. E é o que nós temos procurado fazer. Infelizmente, nem sempre bem entendidos, sobretudo pela Oposição, que acha que, para atingir os seus objectivos, deve procurar dificultar, até mesmo sabotar, alguns projectos que o Executivo tem e que são em benefício do povo. E vamos voltar ao caso do PIIM. Quando nós dissemos que íamos utilizar aqueles recursos financeiros para financiar o PIIM, o que é que era o PIIM, o que é que pretendíamos fazer com o PIIM, ouvimos “vozes do contra”, como se diz, a desencorajar-nos: “não façam isso, não façam isso, estão a comprometer o futuro das nossas crianças”. Era esta a argumentação usada. Bom, você como pai não pode ter um pão na cozinha, na despensa, a apanhar bolor, porque estou a guardar esse pão para o meu filho que ainda nem foi concebido, quando o filho que está ao seu lado está a chorar por pão. Você tem o pão aí ao lado. Então, você, como bom pai, tem que dar de comer a essa vida que já existe. Haverá a oportunidade de arranjar, de mobilizar, de aumentar a sua capacidade de pensar nas gerações vindouras. Os fundos soberanos são para isso. São para ser permanentemente alimentados para que cresçam, sem prejuízo de que possam ser - pelo menos parcialmente - utilizados, quando há necessidade disso. Aliás, há lei que estabelece isso. Não há nenhuma lei que proíbe mexer-se nos fundos soberanos. Nós, em cumprimento dessa missão que nos foi dada de que é preciso resolver os problemas do povo, fizemos um PIIM. E se eu tivesse mais recursos hoje, eu faria um segundo PIIM. Eu faria! Isso para dar apenas um exemplo. Em relação à nova Divisão Política-Administrativa, Angola é um país bastante extenso. Só tinha 18 províncias e 165 municípios. Nós fizemos estudos e entendemos que, para a dimensão de Angola, pode e deve ter muito mais províncias e municípios do que tem. Hoje chegámos a 21 províncias e 326 municípios, que, mesmo assim, não são suficientes. Ainda temos províncias grandes.Angola deve ter mais do que 21 províncias e deve ter mais do que 326 municípios. A missão de fazer esses estudos é do Executivo. A responsabilidade é do Executivo. É de quem governa. Quem governa é quem tem que ter esta visão. É evidente que, no momento da decisão, para que se avance, temos a obrigação de ir ao Parlamento. E, no Parlamento, nós devemos ter a capacidade de argumentar e convencer os legisladores a legislar a favor desse tal aumento de províncias, de municípios e de comunas. Hoje, acrescentamos apenas três províncias e alguns municípios, pela razão que eu citei lá em Cazombo. Apenas porque não existem recursos suficientes para, de uma vez, aumentarmos cinco, seis províncias. Não existem. Se existissem, faríamos de uma vez. Mas não existem. Se existissem, é evidente que faríamos de uma vez. Ficamos de dividir Lunda Norte, ficamos de dividir Malanje, ficamos de dividir o Uíge. Não fizemos agora, porque é nosso entendimento que é mais seguro não dar o passo mais comprido que a perna, como soe dizer-se. Mas vamos chegar lá. Algum dia, alguém há-de chegar lá. O Cazombo e Mavinga: nunca ninguém se lembraria de fazer um aeroporto em condições em Cazombo ou Mavinga, se não fosse capital de província. Nunca ninguém ia pôr lá um sistema de saúde melhor, se não fosse capital de província. Melhor água, melhor energia, melhor saúde, melhor escola. Como província, a possibilidade disso vir a acontecer, num futuro breve - que eu espero que seja breve - é muito maior do que se continuassem na condição de o que era município, continuar a ser município; o que era comuna, continuar a ser comuna.

    Senhor Presidente, acorda e dorme pensando no seu povo e na criação de condições para que possamos todos viver num país onde cada um de nós possa acordar, ter algo para comer, ter saúde e ter, certamente, condições de viver num país que se pode chamar verdadeiramente Angola?

    PR - Não tenho outra escolha, porque, caso não quisesse viver esta situação, teria preferido não aceitar ser Presidente da República. Teria sido mais honesto de minha parte. A partir do momento que aceitei, tenho plena consciência da dimensão do desafio que é ter essa grande Angola em cima dos meus ombros. É um desafio grande, é um desafio diário, é um desafio permanente, que me obriga a trabalhar quase que 24/24 horas, sábados, domingos, feriados, estando em Angola ou estando fora de Angola. Não tenho outra escolha. Como se costuma dizer: é pegar ou largar. Se não aguenta, larga!

    Senhor Presidente, nos últimos tempos, e falo internamente no seu partido, há a preparação do Congresso, de definições daquilo que vai ser o futuro do partido, e existem algumas vozes que se levantam, que se posicionam em relação ao futuro do MPLA. E uma delas é de Higino Carneiro. O Senhor quer comentar sobre isso?

    PR - Bom, eu não sei de que congresso é que está a falar…
    Nós realizámos um congresso extraordinário recentemente e, em princípio, só teremos um outro congresso no final do próximo ano que, obviamente, será ordinário. Portanto, falar de congresso agora... eu fico à procura do tal congresso e não encontro, não encontro!…